segunda-feira, 4 de maio de 2009

Língua Caetano Veloso




Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões


Gosto de ser e de estar


E quero me dedicar a criar confusões de prosódia


E uma profusão de paródias


Que encurtem dores


E furtem cores como camaleões


Gosto do Pessoa na pessoa


Da rosa no Rosa


E sei que a poesia está para a prosa


Assim como o amor está para a amizade


E quem há de negar que esta lhe é superior?


E deixe os Portugais morrerem à míngua“Minha pátria é minha língua”


Fala Mangueira! Fala!Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó


O que quer


O que pode esta língua?


Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas


E o falso inglês relax dos surfistas


Sejamos imperialistas! Cadê?


Sejamos imperialistas!


Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda


E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate


E – xeque-mate – explique-nos Luanda


Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo


Sejamos o lobo do lobo do homem


Lobo do lobo do lobo do homem


Adoro nomes


Nomes em ãDe coisas como rã e ímã


Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã


Nomes de nomes


Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabée Maria da Fé


Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó


O que quer


O que pode esta língua?


Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção


Está provado que só é possível filosofar em alemão


Blitz quer dizer corisco


Hollywood quer dizer Azevedo


E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo


A língua é minha pátria


E eu não tenho pátria, tenho mátria


E quero frátria


Poesia concreta, prosa caótica


Ótica futura


Samba-rap, chic-left com banana


(– Será que ele está no Pão de Açúcar?


– Tá craude brô


– Você e tu


– Lhe amo


– Qué queu te faço, nego?


– Bote ligeiro!


– Ma’de brinquinho, Ricardo!?


Teu tio vai ficar desesperado!


– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!


– I like to spend some time in Mozambique


– Arigatô, arigatô!)


Nós canto-falamos como quem inveja negros


Que sofrem horrores no Gueto do Harlem


Livros, discos, vídeos à mancheia


E deixa que digam, que pensem, que falem.

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